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Episódio 1
Meio Ambiente
“Ratos e Urubus...larguem minha fantasia!” Esse foi o samba enredo que a Beija-Flor de Nilópolis levou para a Marquês de Sapucaí no ano de 1989 e que revolucionou o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro com uma crítica social considerada sem precedentes na história do evento. Transpirando ousadia, o carnavalesco Joãosinho Trinta desnudou para o mundo o contraste entre o luxo das elites brasileiras e a pobreza daqueles que vivem no meio do lixo, em um dos países mais desiguais do planeta.
Aí a gente corta para 2023. Mais de 30 anos depois é fato que muita gente segue enxergando o lixo apenas como resto. Mas, felizmente, isso segue mudando. Prova disso são as cooperativas de catadores de recicláveis, que processam diariamente toneladas de materiais reaproveitáveis, servindo de apoio ao meio ambiente e também como meio de sustento de inúmeras trabalhadoras e trabalhadores.
Só em Goiânia existem 14 destas cooperativas. Uma delas é a Cooperativa Reciclamos e Amamos o Meio Ambiente, a Cooper-Rama, que funciona em um galpão próprio nas Chácaras Recreio São Joaquim, região Noroeste de Goiânia,
Foi lá que encontramos a Dulce Helena do Vale, presidente da Cooper-Rama, para um longo e rico bate-papo. Enquanto nos apresentava a estrutura da cooperativa, ela foi nos contando como tudo começou.
“A gente começou em 2008, no Jardim Curitiba, junto com o programa Goiânia Coleta Seletiva, tendo como incubadora a Universidade Federal de Goiás. Na época, as coisas não eram tão bem organizadas. Os integrantes pagavam aluguel do local onde funcionava a cooperativa, sobrando pouco para dividir entre muitos”.
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Mas em 2012 as coisas começaram a mudar, por meio de uma parceria com o Ministério Público de Goiás. Pelas mãos do promotor de Justiça Juliano de Barros Araújo o pessoal da Cooper-Rama passou por um momento de transformação na forma de enxergar e usar o lixo, como lembra Dulce.
“A partir daquele momento ali, que a gente conseguiu ter aquele olhar diferenciado do Ministério Público, na pessoa do dr. Juliano, mudou totalmente pra gente. Ele passou a enxergar as cooperativas e o que a gente faz. A gente teve oportunidade de melhoria na documentação, na legalidade.” Ela acrescenta ainda o apoio material, de formação e na mediação de conflitos que eventualmente surgem.
Dois pontos altos de conquistas da Cooper-Rama aconteceram com a aquisição de um caminhão para a coleta e distribuição dos recicláveis, em 2015, e com a aquisição do galpão para a sede própria da cooperativa, em 2016. Dulce afirma que a oportunidade de estar num imóvel próprio foi transformadora.
Com visão totalmente empreendedora, ela conta que tudo que é feito hoje na Cooper-Rama passa pela aprovação de um conselho fiscal e diretorias administrativa e financeira, como em qualquer outra empresa. “É uma empresa como qualquer outra, a diferença é que não temos fins lucrativos. Mas o imposito que a gente paga é o mesmo que qualquer outra empresa.
Como no samba da Beija Flor, a presidente da Cooper-Rama considera o lixo um luxo! “Eu sempre falo que o lixo é um luxo. Além de contribuir com o meio ambiente a gente consegue tirar o sustento, tirar a dignidade do lixo”.
Com voz embargada e bastante emocionada, Dulce descreve o sentimento que tem ao ver onde ela e os companheiros de jornada chegaram. “Eu diria que é um orgulho, é uma vitória, de luta”.
As conquistas, no entanto, não impedem os sonhos do pessoal da Cooper-Rama para o futuro.
“No futuro, o que eu penso é que a gente não fique só na questão de reparar, prensar, vender. Mas industrializar, fazer algum tipo de produto, trazer compostagem”.
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deste episódio
O promotor Juliano de Barros não tem dúvida de que esse futuro almejado pela Cooper-Rama será de sucesso. Ele brilha os olhos ao falar dos resultados obtidos junto ao pessoal da cooperativa e deixa claro que sempre foi motivado pelo desejo de ver os catadores de recicláveis sendo incluídos socialmente, num verdadeiro duelo entre o lixo e a dignidade. “Historicamente há uma ligação pejorativa com o lixo e esses heróis invisíveis”.
Juliano de Barros diz que não só os cooperados ganham ao tirar do lixo sua sobrevivência. Para o promotor toda a sociedade ganha com a atuação dos catadores, que devem ser vistos como agentes ambientais. “A grande dificuldade é tentar romper com o paradigma do lixo. Porque é preciso trazer dignidade, para que essas pessoas sejam respeitadas, reconhecidas e tenham um mínimo de condições de trabalho para garantir o seu sustento”.
E ele finaliza ressaltando o que significa para ele contribuir para a modificação desse paradigma. “Eu sou grato pela profissão que eu tenho e de poder estar exercendo da forma como eu exerço. É gratificante ver o crescimento das pessoas”, apontou.
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