Episódio 3 |
Criminal
Você já ouviu falar no Pacote Anticrime? Bem, se a resposta é não, saiba que ele entrou em vigor em 2020 e trouxe várias mudanças para o Código de Processo Penal brasileiro. Entre as novidades está o Acordo de Não Persecução Penal, o ANPP. Com caráter pré-processual, ele permite a negociação entre o Ministério Público e aqueles investigados que cometeram infrações penais sem violência ou grave ameaça, em casos que a previsão de pena mínima seja inferior a quatro anos de prisão.
O ANPP é considerado uma tendência do judiciário brasileiro a um modelo de justiça consensual negociada, buscando evitar a prisão de quem comete infrações de menor gravidade, mas desde que a pessoa confesse o erro e, se possível, o repare. Essa reparação pode vir na forma de doação de dinheiro, bens ou ainda prestação de serviço. Entre as infrações que entram no rol em que cabe o ANPP estão o furto, o estelionato, a posse e o porte ilegais de arma de fogo, a direção sob o efeito de álcool, enfim, vários casos.
Toda essa explicação é para introduzir a você a história que une o serralheiro Filipe Santos, o aposentado Delnil Batista, o Núcleo Espírita Casa de Jesus e o Ministério Público de Anápolis. Os caminhos desses personagens se cruzam a partir do momento em que o Filipe é pego numa blitz, dirigindo embriagado.
O caso foi levado ao promotor de Justiça Luís Guilherme Gimenes, titular da 1ª Promotoria de Justiça em Anápolis. Após chamar a atenção do Filipe para a gravidade do seu ato, o promotor fez uma proposta ao serralheiro: que ao invés do caso ir parar na Justiça ele aceitasse prestar serviço, como no Núcleo Espírita Casa de Jesus.
A organização não governamental é uma das várias entidades de Anápolis beneficiadas com os frutos dos acordos de não persecução penal. O Filipe não pensou duas vezes. “Aceitei de cara. Fica bom para os dois lados. Ajuda para mim e para eles”, contou.
Na Casa são desenvolvidos diversos trabalhos de apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade social, algumas inclusive moram em pequenas casas construídas no terreno e que são cedidas a elas por tempo determinado.
No local, semanalmente, são distribuídas cinco toneladas de verduras a cerca de 400 famílias carentes da região. Um trabalho que envolve a caridade e doação de muitas pessoas. A estrutura física da ONG, que engloba também dois galpões, necessita de manutenção predial com frequência e é aí que entrou o Filipe com a mão de obra especializada dele.
Seu Batista, que preside a ONG há cerca de 20 anos, ficou super satisfeito em poder ver diversas estruturas da entidade consertadas desde que Filipe chegou à Casa. Tanto que ele faz questão de enaltecer os acordos que vêm sendo feitos pelo Ministério Público.
"O Ministério Público tem sido muito eficiente e muito bom no sentido de ajudar instituições beneficentes enviando essas pessoas que ao invés de ficarem presas vão ajudar. Aqui pra gente tem sido muito bom", relata.
Batista também conta que outras pessoas chegaram à entidade para cumprir acordos e gostaram tanto do trabalho desenvolvido no local que acabaram se tornando voluntários.
Feliz em ver os bons resultados conseguidos por meio de acordos de não persecução penal, o promotor Luís Guilherme faz questão de frisar que o ANPP não significa impunidade para o infrator.
"Não é impunidade. É um instrumento de justiça consensual. A gente evita uma persecução penal que, com frequência, o fato seria prescrito, não teria uma punição, a gente consegue reverter isso em benefício, um retorno para a sociedade", explica Gimenes.
Se o ditado diz que de um limão se faz uma limonada, fica a certeza que de um erro também é possível vir uma lição. E o melhor, uma reparação, capaz de beneficiar o próprio infrator, e também muitas outras pessoas, por tabela.