Episódio 7
Direitos Humanos
Quando uma gravidez é anunciada e o sexo do bebê revelado logo surge a pergunta: e o nome? Qual será o nome da criança? Junto da escolha do nome vem também a definição do sobrenome. Sim, porque além do nome o nosso sobrenome nos insere socialmente, nos dá uma identidade.
Em geral, o registro é feito pelos pais logo após o nascimento da criança. O sobrenome nos é garantido oficialmente por meio do registro civil de nascimento, que é um direito no Brasil, assegurado por lei, de forma gratuita. Por ser a prova legal de nossa existência, a certidão é um dos documentos mais importantes ao longo da nossa vida. Nele, estão todas as informações sobre o indivíduo, como o nome, filiação, naturalidade e nacionalidade.
Bem, toda essa introdução foi para deixar claro que o registro de nascimento, mais que um documento é uma ferramenta que nos dá pertencimento, laços de afeto que extrapolam o papel. Prova disso, é a história da Cléa Dalva Gonçalves, de 62 anos, moradora da cidade de Senador Canedo. No caso dela, depois de décadas de vida, passar a ter no registro de nascimento o nome da mãe afetiva foi uma grande conquista.
Para você entender melhor, vamos voltar no tempo. Vamos lá para Patos de Minas, em Minas Gerais, no ano de 1961. Numa casa com muitos problemas familiares nasceu a pequena Cléa. A mãe, sem condições de criá-la, resolveu entregar a bebê de apenas 3 meses para uma vizinha.
A vizinha, Maria Aparecida Magela, de apenas 18 anos, também enfrentava uma barra na época. O marido havia acabado de ser assassinado. Sem filhos, passando maus momentos, ela assumiu a pequena Cléa e ela se tornou sua primogênita.
Os anos se passaram, Maria se casou de novo, veio para Goiás, e, junto com o marido, seguiu na criação da menina e de outros sete filhos que o casal teve. Irmãos, tratados de forma igual. Apenas uma situação os diferenciou a vida toda: a filiação no registro de nascimento.
Enquanto os sete carregavam o nome de Maria Aparecida Magela Gonçalves na certidão, Cléa trazia somente o nome de sua mãe biológica. Ela nos contou que isso nunca a atrapalhou, mas que no fundo ela sentia vontade de ter o nome da mãe socioafetiva estampado em sua documentação pessoal.
Até que um dia, durante as comemorações de seu aniversário de 50 anos uma das irmãs, que é advogada, trouxe o assunto à tona. “Minha irmã falou, você quer que a minha mãe te registre? Eu disse: ué, se vocês permitirem... eu quero, lógico!”, recorda Cléa.
Ela explica que, com a anuência de todos os irmãos, ela, a irmã advogada e a mãe foram primeiro a um cartório em Senador Canedo, onde passaram por uma entrevista. Após esse processo, foram encaminhadas ao Ministério Público, onde foram recebidas pela promotora de Justiça Marta Moriya Loyola, como lembra a Cléa: “A doutora Marta é maravilhosa. Acho que a gente não pode ter medo, se a gente quer a gente consegue, né?”.
A promotora explicou a elas a diferença entre um processo de adoção natural e o reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva, como foi o caso da Cléa. “Com a mudança do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) o reconhecimento de paternidade socioafetiva pode ser feito. A pessoa procura o cartório, o cartório encaminha ao MP a gente faz uma investigação socioafetiva, faz oitiva, e mandamos para o cartório”, afirma.
A ida ao MP aconteceu no final de 2022 e cerca de 6 meses depois a Cléa teve acesso à sua nova documentação. “A chegada do documento foi muito boa. Eu não sabia se eu ria, se eu chorava”, relembra. Ela diz que sua mãe, hoje com 80 anos, ficou mais feliz que ela. “Parece que para ela é como uma lição cumprida, porque a coisa estava meio assim...não tinha documento”, acrescenta.
Cléa diz que aconteceu o mesmo em relação ao grupo de irmãos: “Toda a vida uma convivência muito boa. A gente tem uma relação maravilhosa. Eles gostam nem que eu fale. Não tem jeito. Agora é de verdade”.
A promotora Marta Loyola também não esconde sua satisfação em ter sido instrumento nesse caso com um final feliz. “É muito gratificante para o promotor de Justiça conseguir reconhecer o direito daquela família. Constituído de afeto verdadeiro, que até superam as constituídas em vínculos genéticos”, pondera.
E para fechar essa história maravilhosa, fica o recadinho da Cléa para quem está vivendo ou conhece alguém que passa por situação semelhante, independentemente da idade. “Eu acho que a gente não pode ter medo. Eu estou com 62 anos e minha mãe 80. Felicíssimas!”
Que história maravilhosa para fechar com chave de ouro esta nossa primeira temporada do MP Pra Você. Quem sabe a próxima possa ser a sua história contada aqui!